A perturbação do sossego público é uma das ocorrências mais comuns registradas pelas forças de segurança em todo o Brasil. Apesar disso, a maioria das pessoas ainda desconhece o que realmente caracteriza o crime e como proceder diante do problema.
De acordo com o artigo 42 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41), é contravenção “perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios”, em qualquer horário do dia. Ou seja, não existe “lei do silêncio” limitada às 22h — esse é um mito popular.
Qualquer barulho excessivo ou contínuo, seja música, motor, animal ou gritaria, pode configurar infração penal se estiver tirando o descanso, a concentração ou o bem-estar de outras pessoas.
Não há horário fixo para o crime de perturbação
A crença de que “até as 22h pode tudo” é incorreta. A legislação brasileira não fixa horário, apenas prevê o excesso e o incômodo injustificado como critérios principais.
Barulhos intensos durante o dia, como festas em casas de condomínio, som automotivo em volume alto, obras fora do horário autorizado ou eventos em áreas residenciais, podem resultar em autuação e até prisão em flagrante.
A quem recorrer: Polícia Militar ou Prefeitura
Em caso de perturbação, o cidadão pode acionar a Polícia Militar (190). Contudo, a atuação da PM, na maioria dos municípios, se limita à orientação e registro, já que a fiscalização de ruídos depende de lei e convênio municipal.
A perturbação do sossego pode ser tanto uma contravenção penal (art. 42) quanto uma infração administrativa, prevista em leis de poluição sonora municipais. Quando o município possui fiscalização ativa (como Campinas, Americana, São Paulo e Santos), a medição é feita com decibelímetro e o infrator pode receber multas e sanções civis.
Para acionar as autoridades municipais, o cidadão deve entrar em contato com a Prefeitura da sua cidade, por meio dos telefones locais da Secretaria de Meio Ambiente, Posturas ou Ouvidoria.
Em cidades que possuem Guarda Civil Municipal (GCM), também é possível registrar a ocorrência pelo número 153, que é o canal de emergência nacional da GCM — embora cada município possa ter números adicionais próprios para esse tipo de denúncia.
Perturbação causada por animais
A lei também prevê que o dono pode ser responsabilizado quando não impede o barulho de animais sob sua guarda. Latidos constantes, galos que cantam em excesso ou brigas de gatos podem ser considerados perturbação se houver prova do incômodo e reiteradas reclamações.
Nesse caso, o caminho ideal é registrar boletim de ocorrência e procurar a Secretaria de Meio Ambiente ou Ouvidoria Municipal, que podem notificar o responsável e adotar medidas administrativas.
Decibelímetro e flagrante policial
O decibelímetro é o equipamento usado para medir a intensidade sonora, mas não é obrigatório para configurar o crime. A Polícia Militar do Estado de São Paulo, em nota técnica de 2024, reconhece que o flagrante direto do excesso — por exemplo, som audível de longe, instrumentos em volume exagerado ou gritaria — já é suficiente para caracterizar a infração penal.
O equipamento, entretanto, é essencial quando a denúncia envolve comércios, templos, bares e eventos públicos, pois nesses casos a medição segue a norma ABNT NBR 10.151/2019 da ABNT.
Denúncias e o papel da vítima
Para que o caso avance, é importante que a vítima se identifique e registre o incômodo. Embora denúncias anônimas sejam aceitas, elas raramente geram autuação penal, pois é necessário comprovar quem foi efetivamente perturbado.
Além do registro policial, a pessoa pode acionar a Prefeitura, o Ministério Público ou o Juizado Especial Cível, com base no artigo 1.277 do Código Civil, que garante o direito ao sossego e à convivência pacífica entre vizinhos.
⚖️ Saiba quando o barulho vira crime: casos reais
Para entender melhor, veja exemplos de situações comuns já registradas e que configuraram perturbação do sossego público:
“A festa que acabou em prisão” — Americana (SP)
Em 2023, moradores de um condomínio acionaram a PM após três madrugadas consecutivas de festas com som alto e aglomeração. Mesmo após orientações anteriores, o responsável insistiu em manter o volume alto.
Resultado: o morador foi preso em flagrante, teve o equipamento de som apreendido e respondeu por perturbação do sossego, conforme o art. 42.
“Cachorro que não parava de latir” — Campinas (SP)
Uma tutora foi notificada pela Prefeitura após dez reclamações formais de vizinhos por latidos incessantes do animal. A Secretaria de Meio Ambiente realizou vistoria, comprovou o barulho contínuo e aplicou multa por infração ambiental. O caso também foi registrado na Delegacia do Meio Ambiente (DEMA).
“Som automotivo e disputa de volume” — Limeira (SP)
Dois motoristas foram flagrados tocando som automotivo em via pública, “competindo” o volume. A PM apreendeu os equipamentos, e os dois foram levados à delegacia. O Ministério Público enquadrou o caso como perturbação do sossego e poluição sonora, com penas de multa e apreensão do veículo.
️ “Obra em domingo com martelos e furadeiras” — Sorocaba (SP)
Mesmo após ser notificado por vizinhos, um morador insistiu em realizar obras em dia e horário proibidos pela lei municipal. A fiscalização foi acionada e constatou ruídos de 85 dB, acima do permitido. O responsável foi multado em R$ 1.200,00 e teve a atividade suspensa por 48 horas.
Como agir passo a passo
- Identifique o tipo de barulho: música alta, animal, motor, obras, som automotivo etc.
- Tente o diálogo primeiro: às vezes, uma conversa resolve o problema sem gerar conflito.
- Registre o horário e intensidade: grave vídeos, anote horários e frequência. Isso ajuda na comprovação.
- Ligue para a Polícia Militar pelo 190: em caso de perturbação evidente ou risco de confronto.
- Acione a Guarda Municipal pelo 153: disponível na maioria das cidades.
- Entre em contato com a Prefeitura: cada município tem número próprio para denúncias ambientais ou de ruído.
- Formalize a ocorrência: registre boletim de ocorrência se o problema persistir que pode ser feito pelo site da Polícia Civil em Boletim Online.
- Procure o Juizado Especial Cível: em casos reincidentes, o cidadão pode requerer indenização por dano moral.













